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Com a explosão dos preços nos últimos dez anos, quadruplicou a arrecadação da taxa cobrada de terrenos localizados próximos ao litoral
A especulação imobiliária vem inflando a arrecadação da União com as taxas cobradas pela cessão de terrenos de marinha, localizados a uma distância de até 33 metros do mar, e às margens dos rios. Dados da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) apontam um crescimento de 313% nas receitas patrimoniais do governo federal entre 2003 e 2012, quando o valor arrecadado chegou a R$ 808,6 milhões. Mantido o ritmo de crescimento, a expectativa é que a cifra chegue perto de R$ 1 bilhão já este ano. Com o objetivo de corrigir distorções, o próprio governo propôs ao Congresso mudanças no sistema de cobrança pelo uso de terrenos da União.
O aumento da arrecadação acompanha a valorização dos preços dos imóveis nos últimos anos – dados da Fipe apontam alta de 70% no valor do metro quadrado apenas entre agosto de 2010, quando o índice do mercado imobiliário começou a ser calculado, e setembro de 2013. Do total arrecadado pela SPU com receitas patrimoniais em 2012, 45% referem-se ao laudêmio, taxa cobrada sobre a transferência de imóveis localizados em terrenos de marinha, hoje com alíquota de 5% sobre o valor do imóvel. Outros 10% são provenientes do foro, cobrado anualmente dos proprietários, com alíquota de 0,6%.
Além de proprietários de imóveis, as taxas cobradas pela SPU recaem também sobre instalações industriais localizadas em imóveis de marinha. Sobre esses, é cobrada uma taxa de ocupação de 5% do valor do terreno, que representou, em 2012, 18% da arrecadação do governo com as receitas patrimoniais. Ao todo, quase 400 mil terrenos em todo o Brasil estão sujeitos ao pagamento de taxas relativas ao uso de áreas de marinha e as localizadas às margens de rios.
A SPU diz que, além do aquecimento do mercado imobiliário, o aumento das receitas patrimoniais reflete melhorias do sistema de arrecadação e o início da gestão, em 2009, do patrimônio da extinta Rede Ferroviária Federal SA (RFFSA). “Bastaram gestos simples, como a modernização de gestão, atualização de cadastros e emissão de boleto eletrônico. As pessoas não querem ficar inadimplentes”, afirma a secretária do Patrimônio da União, Cassandra Nunes. “E, por outro lado, houve esse incremento do mercado imobiliário, coma verticalização e mais gente morando perto da orla”, completa.
Cassandra acredita que a arrecadação tende a se estabilizar, até porque as alíquotas propostas pelo projeto de lei 5627/2013, em apreciação na Câmara dos Deputados, são menores do que as atuais. A proposta reduz de 5% para 2% a taxa cobrada pelo uso de terrenos de marinha. O cálculo do laudêmio passa a considerar o apenas valor do terreno – hoje, a taxa é cobrada sobre o valor do terreno mais benfeitorias. Além disso, o texto reduz multas por atraso e anistia proprietários com débitos inferiores a R$ 10 mil.
Segundo a argumentação enviada pelo Ministério do Planejamento ao Congresso, o objetivo é retirar “desestímulos” à regularização da ocupação de áreas da União, provocados pela “oneração excessiva dos particulares, o que acabou por criar situações de inadimplência original”. A autoriado projeto é assinada pelos ministérios do Planejamento, Defesa e Fazenda e pela Advocacia Geral da União.
“Desde 1946 não discutimos uma lei abrangente sobre o tema”, comenta o deputado federal Lelo Coimbra (PMDB-ES), presidente da comissão que analisa a matéria na Câmara. Ele espera que o projeto, com as novas alíquotas, seja aprovado pelo Senado até abril do próximo ano, com poucas alterações ao texto apresentado pelo Planalto.
Coimbra diz que ainda há distorções a serem corrigidas futuramente, principalmente no que diz respeito a conflitos entre a atuação da SPU e a Emenda Constitucional 46, que exclui ilhas do conceito de áreas de marinha.”Hoje, Vitória, Florianópolis e São Luis do Maranhão são alvo de cobranças de taxas de uso de terrenos da União, mesmo que estejam protegidas pela emenda 46″, afirma. O tema é alvo de discussões no Supremo Tribunal Federal.
CUSTO AL MARE
Informações retiradas de anúncios publicados em sites de vendas de imóveis, em diferentes estados.
■ SÃO PAULO
Apartamento na Praia de Pitangueiras, Guarujá, com 3 quartos, 2 suítes e 2 vagas na garagem, 154m²
Preço de venda: R$ 850mil
Laudêmio: R$ 42,5mil
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Apartamento na Praia de Copacabana, salão, sala de jantar, 2 quartos, 1 suite, 140m²
Preço de venda: R$ 2,21 milhões
Laudêmio: R$ 110,5 mil
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Apartamento na Praia de Boa Viagem, Recife, varanda, 2 salas, 4 suítes, 3 vagas, 203m²
Preço de venda: R$ 1,020 milhão
Laudêmio: R$ 51 mil
■ BAHIA
Apartamento na Praia da Barra, Salvador, 4 quartos, 3 banheiros, 3 vagas, 320m²
Preço de venda: R$ 2 milhões
Laudêmio: R$ 100 mil
julga taxa por uso de espelho d’água em portos e marinas
A cobrança pelo uso de áreas da Marinha é tema de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), movida pela Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), representante de mais de 100 terminais de uso misto ou público no país. A entidade quer suspender portaria da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) que institui a cobrança sobre o uso do espelho d’água em marinas, portos e estaleiros. O governo argumenta, entretanto, que essa é uma compensação ambiental pelo uso do patrimônio da União.
“Além de não ter fundamento legal, a cobrança contraria frontalmente a finalidade da mudança no marco regulatório dos portos, que é de desonerar os investimentos e a prestação de serviços portuários”, reclama o diretor-presidente da ABTP, Wilen Manteli, referindo-se à edição da Medida Provisória 595, que alterou a legislação sobre operações portuárias. Além da Adin, que está na fila de ações à espera do fim do julgamento do mensalão no STF, a entidade entrou com um mandado de segurança na Justiça Federal pedindo a suspensão da medida.
O pagamento pelo uso de espelho d’água estava previsto em um decreto lei de 1946 que nunca foi regulamentado. A taxa foi instituída pela portaria 24, de 2011, que estipulou prazo de 180 dias para as empresas se regularizarem. O prazo foi estendido até o início de 2014 e outra portaria, de número 40, foi editada, incluindo a argumentação para justificar a cobrança. O valor da taxa será calculado a partir de uma fórmula que considera a área utilizada, o investimento feito no terminal e o custo do terreno adjacente ao espelho d’água objeto da cobrança. O pagamento deve ser feito a cada 12 meses, como o foro cobrado dos proprietários de imóveis próximos do mar.
A taxa só começará a ser cobrada a partir de 2014, mas o diretor presidente da ABTP diz que operadores de terminais têm encontrado dificuldades de obter ou renovar licenças sem se comprometer com o pagamento. “Não só a cobrança de uma taxa é absurda, mas também a burocracia envolvida no processo”, ataca. O Brasil prepara-se para realizar as primeiras licitações de terminais portuários sob as regras instituídas pela MP 595.
Em artigo acadêmico, a advogada tributarista da Advocacia Santos Câmara, Nidia Ferreira de Oliveira, contesta a cobrança, alegando que as águas territoriais não são propriedade da União, mas áreas de domínio público. Além disso, acrescenta, a taxa não pode ser justificada como um tributo – por não estar enquadrada no Sistema Tributário Nacional – nem como compensação ambiental, já prevista no processo de licenciamento dos terminais junto aos órgãos competentes.