Fonte: Direito Net
Análise acerca dos principais aspectos do contrato de compra e venda, ressaltando a importância do domínio, pelo profissional do Direito, das normas que regulam esse contrato para o fim de instrumentalizar de forma válida, correta e eficaz a vontade das partes.
Por Marcelo Avelino Bortolini
O contrato de compra e venda é um dos maiores instrumentos de circulação de riquezas existentes em nossa sociedade, além de ser um contrato difuso, cuja aplicação se estende aos diversos ramos do Direito, tais como o Direito Civil, Direito Empresarial, Direito Administrativo, entre outros.
Em síntese, o contrato de compra e venda pode ser conceituado como a troca de uma coisa por dinheiro. Carlos Roberto Gonçalves conceitua o contrato em tela nos seguintes temos:
Denomina-se compra e venda o contrato bilateral pelo qual uma das partes (vendedor) se obriga a transferir o domínio de uma coisa à outra (comprador), mediante a contraprestação de certo preço em dinheiro.[1]
O contrato de compra e venda não se submete, via de regra, à forma especial, podendo ser celebrado verbalmente ou por escrito, público ou particular. Entretanto, o art. 108 do Código Civil dispõe acerca da essencialidade da escritura pública quando o negócio jurídico versar sobre imóveis de valor superior a trinta salários mínimos, obrigatoriedade esta também presente para os negócios envolvendo aquisição de imóveis rurais por estrangeiro, independentemente do valor, conforme dispõe o art. 8° da Lei nº 5.709/71. De outro lado, vale ressaltar a existência de hipóteses em que a lei confere eficácia de escritura pública a determinados instrumentos particulares, como é o caso da norma constante no § 5° do art. 60 da Lei nº 4.380/64.
No que tange à sua classificação, o contrato de compra e venda é um contrato oneroso, translativo, bilateral e geralmente comutativo. Oneroso, pois ambas as partes obtêm vantagem econômica. É translativo em razão de ser um instrumento para a transferência e aquisição da propriedade. É bilateral ou sinalagmático porque cada parte assume respectivamente obrigações. E, via de regra, um contrato comutativo, pois as partes conhecem previamente o conteúdo de sua prestação.
O contrato de compra e venda é constituído por três elementos: coisa, preço e consentimento.
Concernente à coisa, que deve ser suscetível de apreciação econômica, cumpre destacar que ela também deve ser determinada ou determinável e de existência atual ou futura. Ademais, importante destacar que na compra e venda de imóveis deverão ser observados alguns princípios do Direito Registral Imobiliário, como o princípio da especialização, que ordena que o imóvel contenha todos os dados necessários à sua perfeita individualização e que o proprietário seja minuciosamente qualificado e o princípio a disponibilidade, segundo o qual ninguém pode transferir mais direitos do que tem.
Acerca deste elemento, leciona a doutrinadora Maria Helena Diniz, in verbis:
A compra e venda tem por objeto, suscetível da translatividade do domínio (efeitos do Art. 481), coisa atual, o que quer dizer existente ou de existência potencial dizendo respeito à coisa futura, sejam elas corpóreas ou incorpóreas. Neste último caso, o negócio jurídico ficará sem efeito, não vindo a existir a coisa, ressalvada a hipótese de o contrato ser aleatório, nos termos do Art. 458 do NCC e artigos subsequentes.[2]
No que se refere ao preço, este deve ser fixado em dinheiro, sob pena de não ser conceituado o negócio como uma compra e venda. Além do mais, o preço deve ser certo, real e verdadeiro.
Por fim, o consentimento, que nada mais é que o acordo entre as partes sobre o objeto e o preço, consoante dispõe o art. 482, que preceitua que a “compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço”.
Questão importante a ser destacada sobre a compra e venda é a falta de legitimação do contratante. Como todo contrato, a compra e venda pressupõe a capacidade geral das partes. Porém, por vezes a lei suprime essa capacidade para certos e determinados negócios jurídicos, hipóteses estas que a doutrina denomina como ausência de legitimação. São exemplos de ausência de legitimação a venda de ascendente a descendente sem a anuência dos demais descendentes e do cônjuge (CC, art. 496), a alienação de imóvel sem a necessária outorga conjugal (CC, art. 1.647, inciso I,), a venda entre cônjuges (CC, art. 499), a venda de parte indivisa em condomínio (CC, art. 504) e as demais hipóteses previstas nos quatro incisos do art. 497 do diploma civil
O Código Civil, em seu artigo 496, dispõe ser “anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”, ressalvando que o consentimento do cônjuge é dispensado se o regime de bens adotado for o da separação obrigatória. Sobre este dispositivo, cumpre trazer à baila importante esclarecimento realizado pelo jurista Carlos Roberto Gonçalves:
A lei não distingue entre bens moveis e imóveis, nem proíbe a venda feita por descendente a ascendente. A exigência subsiste mesmo na venda de avô a neto, e não só aos descendentes que estiverem na condição de herdeiros, pois a lei referiu-se a todos os descendentes. Não fosse assim, bastaria que a negociação “fosse feita diretamente com o neto, filho do filho predileto do ‘vendedor’, para não ser impugnada. O legislador, ao dispor que os ascendentes não podem vender aos descendentes, referiu-se a todos os descendentes, indistintamente (filhos, netos, bisnetos, trinetos, etc.), e não só aos descendentes que estiverem na condição de herdeiros”[3].
No que atine à compra e venda entre cônjuges, estabelece o artigo 504 do Código Civil ser lícito o ajuste “com relação a bens excluídos da comunhão”.
Outro ponto que também merece atenção é o relativo à alienação de imóveis em inventário. Tratando-se de inventário judicial, a alienação do imóvel dependerá de prévia autorização judicial ou poderá ser realizada por meio de cessão de direitos hereditários, assinada por todos os herdeiros, mas somente passível de ingresso no registro imobiliário após o final do processo judicial.
O Código Civil prevê, nos artigos 505 ao 532, cinco espécies de cláusulas especiais que podem se fazer presentes no contrato de compra e venda.
A primeira delas é cláusula de retrovenda, prevista nos artigos 505 e 508, “em que o vendedor se reserva o direito de reaver, em certo prazo, o imóvel alienado, restituindo ao comprador o preço, mais as despesas por ele realizadas, inclusive as empregadas no melhoramento do imóvel”.[4]
Na subseção seguinte o código cuida da venda a contento e da sujeita a prova (arts. 509 a 512) e prescreve que a “venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado” (CC, art. 509). Prossegue o diploma civil estatuindo que“Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina” (CC, art. 510).
Nos artigos 513 a 520 é disciplinada a cláusula de preempção ou preferência, que é aquela por meio da qual o adquirente da coisa se obriga a ofertá-la ao alienante na eventualidade de futuramente vir a vendê-la, a fim de que o vendedor utilize o seu direito de preferência em igualdade de condições com o terceiro interessado na aquisição.
A quarta espécie de cláusula é a que prevê a venda com reserva do domínio, prevista nos artigos 521 a 528 do Código Civil. Nas lições de Carlos Roberto Gonçalves, “A venda com reserva de domínio constitui modalidade especial de venda de coisa móvel, em que o vendedor tem a própria coisa vendida como garantia do recebimento do preço. Só a posse é transferida ao adquirente. A propriedade permanece com o alienante e só passa àquele após o recebimento integral do preço”.[5]
Por fim, o código regulamenta o pacto adjeto da venda sobre documentos (arts. 529 a 532), dispondo no artigo 529 que na “venda sobre documentos, a tradição da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos”.
Analisando o capítulo destinado ao contrato de compra e venda no Código Civil, vislumbra-se de suma importância o domínio, pelo profissional do Direito, das normas que regulam esse contrato para o fim de instrumentalizar de forma correta e eficaz a vontade das partes e, por sucedâneo, evitar o surgimento de futuros litígios relacionados com o contrato, os quais, caso ocorram, abarrotarão ainda mais a já sobrecarregada estrutura do Poder Judiciário.
REFERÊNCIAS
CASSETTARI, Christiano. Elementos de direito civil. São Paulo: Saraiva. 2011.
DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado – 17ª ed. São Paulo: Saraiva. 2014.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais – 7ª ed. São Paulo: Saraiva. 2010.
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais – 7ª ed. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 212.
[2] DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado – 17ª ed. São Paulo: Saraiva. 2014.
[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit. p. 232.
[4] CASSETTARI, Christiano. Elementos de direito civil. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 208 e 209.
[5] GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit. p. 260.