Gazeta do Povo
Para não ficar com apartamentos fechados, proprietários negociam valor de aluguéis
Lançamentos em série, vendas meteóricas, escalada de preços. Esqueça. Tudo isso ficou no passado do mercado imobiliário brasileiro. Com a crise político-econômica, os negócios no setor esfriaram. Houve estabilização de preços e, com o freio no consumo, os estoques de unidades prontas cresceram. Ano passado, as vendas de imóveis encolheram 35% e não dão sinal de recuperação. Para ganhar a confiança do agora supercauteloso consumidor, construtoras e imobiliárias já oferecem promoções de até 20% de desconto e negociam melhores condições de pagamento. No segmento de imóveis usados, que precisa concorrer com a grande oferta de novos, as reduções de preço são mais frequentes, mesmo em cidades como o Rio, considerada a melhor praça do setor no país.
A demanda persiste. Mas, a exemplo do que acontece na economia, passa por um período de ajuste, após uma época de euforia em negócios para investidores, construtoras e compradores. Agora, para garantir a venda de um empreendimento, afirmam especialistas, é preciso oferecer um produto finamente adequado à demanda, casando localização, qualidade e preço. Isso vale para todas as categorias, dos projetos para a classe média aos top de linha.
O consumidor — arisco pelo retorno do medo do desemprego e com o orçamento mais apertado — teme ainda investir em um mercado que deve acompanhar a variação da inflação em 2015, perdendo a atratividade dos últimos anos. Pesam ainda nessa conta a queda no preço dos aluguéis e fatores como segurança e mobilidade urbana.
Nesse cenário, a exemplo do que já fizeram ano passado, as construtoras vão reduzir lançamentos em 2015. Em São Paulo, o estoque de imóveis prontos é recorde, com mais de 27 mil unidades à espera de comprador. Em Brasília, as vendas caíram pela metade, puxando redução de até 20% nos preços.
Nos últimos anos, muitos proprietários de imóveis da Zona Sul, Niterói, Barra e da Grande Tijuca passaram a se sentir milionários. Tudo graças à incrível valorização das residências nestas regiões. Agora o movimento é outro: é preciso ajustar preços. E nem mesmo quem trabalha neste mercado escapa da nova realidade. Elza Salles, gerente de uma imobiliária, está penando para vender seu apartamento de três quartos e 120 metros quadrados na Rua Santa Clara, coração de Copacabana. Anunciado por R$ 1,5 milhão cinco meses atrás, ela não recebeu nenhuma ligação pelo imóvel. Mês passado, Elza baixou o valor para R$ 1,25 milhão. Nada ocorreu. Até o momento, a melhor proposta que recebeu foi de R$ 1,1 milhão, mas insiste no preço pedido:
– É um apartamento que venderia como quisesse antes da Copa. Hoje, tenho dificuldade.
Não é um caso isolado. A valorização na maior parte dos bairros da cidade nos últimos 12 meses ficou abaixo da inflação e chegou a cair em áreas como Lagoa (-1,01%) e Gávea (-1%), segundo dados do Secovi-Rio, sindicato do setor de habitação. Em outros, ficou quase estável: Recreio (0,22%), Flamengo (0,37%) e Botafogo (1,83%) estão entre eles. Em apenas três bairros, a alta superou a inflação acumulada no período, que foi de 7,14% segundo o IPCA: Bangu (25,31%), Centro (9,02%) e Ilha do Governador (7,52%), locais onde a oferta é mais estrita.
Os ajustes estão aí. Quem planeja comprar imóvel novo pode conseguir descontos de até 20%. Quem optar por um usado, deve negociar abatimentos que já chegam, em média, a 10%. Os valores estão estáveis, com oportunidades devido ao freio na economia.
– Os estoques de imóveis novos estão maiores e isso afeta os preços. Mas dificilmente haverá queda relevante em preços de imóveis. A margem do setor é baixa e a saída passa a ser negociar as condições de pagamento – diz João Paulo de Matos, presidente da Ademi-Rio.
O mercado do Rio totalizou 16,9 mil unidades lançadas no ano passado, queda de 20% ante 2013. Este ano, os lançamentos devem cair no mesmo patamar ou até mais. A proporção, diz Matos, dependerá das condições da economia.
Ricardo Humberto Rocha, professor do Insper, destaca que não se trata de bolha imobiliária no Brasil. Mas vê a retração em lançamentos como algo inevitável, repetindo ou superando a taxa registrada em 2014:
– Esse ajuste levará a dois questionamentos de pontos nebulosos: a real margem das construtoras e os custos do setor.
Para Pedro Seixas, coordenador acadêmico do MBA em negócios imobiliários da FGV, é uma questão de equilíbrio entre oferta e procura:
– A oferta está maior, então é bom para quem quer comprar imóvel.
As imobiliárias estão atentas à mudança. Há comentários sobre corretores independentes trocando de ramo e pequenas empresas optando por funcionários em home office.
– Acabou a época em que o vendedor mandava no mercado. Em 2014, as vendas de imóveis no Rio caíram 35%. Para vender, é preciso seduzir o consumidor com melhor preço, qualidade e produto adequado – diz Rubem Vasconcelos, presidente da Patrimóvel. – Mais à frente, com estoques zerados, o preços tendem a subir.
A RJZ Cyrela concentra esforços na imobiliária própria, treinando o exército de 500 corretores. Não mexeu em preços e condições de pagamento, mas trabalha na adequação de produtos e controla a assinatura de contratos.
– A venda é mais trabalhada. E o produto também precisa ser mais adequado. Se atende à demanda, vende bem – diz Rogério Jonas Zylbersztajn, presidente da companhia.
A PDG, por exemplo, realiza uma espécie de saldão neste fim de semana. No mercado do Rio, vai oferecer descontos de até 20%. Há exemplo de redução de até R$ 450 mil no preço.
– É mais uma questão de conjuntura. Não vejo mudanças estruturais que justifiquem queda de preços no médio prazo – diz Carlos Piani, presidente da incorporadora.
O vice-presidente de Operações no Rio da Brasil Brokers, Bruno Serpa Pinto, espera diversos eventos de feirões na cidade, para resolver problemas pontuais das construtoras:
– Será algo igual ao feito pela indústria automobilística, vamos enxugar o pátio e o setor seguirá.
Rafael Menin, presidente da MRV, pondera que a situação não está tão ruim para o mercado de baixa renda, pois o desemprego ainda não chegou ao segmento. Além disso, os subsídios do Minha Casa Minha Vida são garantidos com recursos do FGTS.
– O Brasil precisa construir um milhão de residências por ano, a demanda segue – avalia.
A Gafisa criou um pacote de medidas para atenuar a cautela do consumidor. Imóveis adquiridos na planta este mês terão taxa zero de reajuste até o fim das obras. A empresa promete indenização em caso de atraso na entrega, além de isenção de juros por parcelas não pagas por até seis meses caso o comprador perca o emprego, diz o diretor Luiz Siciliano.
Esse medo de comprar do consumidor é um dos entraves ao mercado. Por trás dele há mais que a cautela frente ao cenário econômico, com instabilidade de emprego e renda.
– Para o brasileiro, comprar a casa própria é a realização de um sonho. Representa estabilidade, sucesso, numa lógica de resguardo e proteção. Mas agora está atrelada a contratos de financiamento por uma vida inteira. As pessoas têm medo de se arriscar – explica Hilaine Yaccoub, doutora em antropologia do consumo e professora da ESPM-Rio.
Com pessoas fugindo da compra e maior oferta de imóveis, em paralelo, cai o preço do aluguel.
– O ano passado foi o que mais fechei contratos de locação nos últimos cinco anos. Os investidores pularam fora do mercado. Quem tem dinheiro aplicado pensa duas vezes antes de investir num ativo que não vai render mais que a inflação. Isso emperra o mercado – diz Rodrigo Barbosa, do site Morabilidade, com foco em imóveis classe A.
Miguel de Oliveira, diretor da Associação dos Executivos de Finanças (Anefac), alerta para o fato de haver mais dificuldade na concessão de crédito:
– Os bancos estão mais seletivos, exigem mais garantias e estão menos dispostos a dar financiamentos longos, de 35 anos.
Rogério Quintanilha, gerente de vendas da administradora de imóveis Apsa, destaca que a maior dificuldade de vendas está aumentando o número de pessoas ofertando imóveis para aluguel:
– Ficar com imóvel fechado implica em custos. Então os preços começam a cair.
O engenheiro de produção Heladio Fernandes é dono de um apartamento de 60m² na Avenida Lúcio Costa, na Barra. O imóvel – um quarto e sala, com varanda e vista para o mar – está para alugar há dois meses por R$ 5 mil.
– Não tive nenhuma solicitação, então, esta semana baixei o preço para R$ 4 mil e já apareceu um casal interessado – contou ele.