Nos últimos dois anos, o número de investidores que aplicam em fundos imobiliários aumentou de pouco mais de 200 mil para 1,1 milhão. O salto no número de CPFs coincide, não por acaso, com o período em que a Selic, a taxa básica de juros, passou de 6,75% ao ano para 2%, nível atual.
Mas o Banco Central já sinalizou que o ciclo de juros no menor patamar da história pode estar perto do fim e que a Selic deve voltar para um nível menos atípico para o histórico do país nas próximas reuniões, possivelmente a partir de março.
Em um cenário de alta de juros, como ficam os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs)?
A EXAME Invest ouviu gestores e especialistas em FIIs para saber como o possível aumento dos juros afetará o retorno e a própria atratividade dos ativos. Uma Selic maior implica em um aumento do CDI, a taxa de referência de muitos ativos da renda fixa, o que faz com que aplicações conservadoras voltem a ter um apelo maior para investidores avessos ao risco.
“Acredito que um movimento de alta que leve a Selic para 5 ou 6% não afetaria o interesse pelos fundos imobiliários”, observa Arthur Vieira de Moraes, especialista em FIIs da EXAME Research. Ele explica que, embora a Selic ainda esteja em 2% ao ano, a curva longa de juros está inclinada, o que mostra que o mercado já conta com o movimento de alta do Banco Central.
As projeções do mercado, medidas pelo relatório Focus, do BC, apontam para uma Selic a 5% em 2022 e a 6% em 2023. O cenário já causou mudança nos títulos de vencimento mais longo, como a NTN-Bs do Tesouro Direto, cujos preços já estão acompanhando as novas expectativas de juros e inflação.
Os preços dos ativos com grau de risco soberano (ou seja, ativos que são considerados os mais seguros do mercado) é importante, porque em geral os fundos imobiliários levam esses valores em consideração para calcular o próprio retorno. “A forma de precificação mais usual é: NTN-B, um ativo livre de risco, mais um prêmio, chamado de spread“, explica Rodrigo Possenti, gestor de portfólios da Fator.
Esse cálculo é mais usual para fundos de papeis (que investem em Certificados de Recebíveis Imobiliários, os CRIs). Já os fundos de tijolos (que são donos de ativos físicos) costumam oferecer um retorno médio de 0,5% do patrimônio ao mês, o que resulta em um rendimento de aproximadamente 6% a 7% ao ano. Se a Selic subir além desse percentual, os fundos de tijolo podem ficar abaixo da “linha d’água”.
Já os fundos de papeis devem compensar a alta dos juros oferecendo um pouco mais de rentabilidade, em razão da própria dinâmica de emissão dos títulos. Os índices inflacionários (IPCA e IGP-M) são os principais indexadores das dívidas lastreadas nos CRIs. Nos últimos 12 meses, o IPCA acumula alta de 4,5% e o IGP-M disparou 23%.
Como a necessidade de alta dos juros está sendo norteada pelo repique da inflação, o rendimento dos fundos também deve ser empurrado para cima.
A recuperação do IFIX
Assim como a bolsa tem o Ibovespa, um índice próprio para medir o desempenho das principais ações, os fundos imobiliários também têm um indicador que serve de termômetro para o mercado. Trata-se do Índice de Fundos de Investimentos Imobiliários (IFIX), que acompanha o preço das cotas de 86 fundos.
Ambos os índices despencaram entre março e abril de 2020, em razão do agravamento da pandemia do coronavírus. O caso do IFIX é um pouco mais traumático, porque ele nunca chegou a se recuperar plenamente. O índice perdeu um terço do valor no auge da crise, tem tentado se colocar de pé outra vez, mas permanecia 11% abaixo do valor recorde, alcançado em janeiro de 2020.
A mudança no cenário de juros tende a colocar mais obstáculos no caminho de recuperação? Para Bruno Eiras, sócio da gestora Devant, a resposta é não. “Esse é um mercado que ainda tem muito a crescer. Quem investiu nos últimos anos já entendeu como os fundos funcionam, já colheu um resultado positivo, e por isso a chance de migração para outros ativos é pequena”, diz ele.
Quais setores de FIIs devem sentir mais?
A dificuldade de recuperação do IFIX se deve, principalmente, aos problemas ainda enfrentados por fundos de shoppings e lages corporativas. “Os shoppings vinham se recuperando até mais rápido que o esperado, mas novas restrições de funcionamento acabaram jogando água fria na alta das cotas”, diz Moraes, da EXAME Research.
Ele diz que a cobertura das vacinas contra a covid-19 será essencial para a retomada do consumo nos próximos meses. “Investir em fundos de shoppings é especular com isso. É saber que o setor ainda está numa fase ruim, mas que há perspectiva de melhora, e assim contar que a recuperação das cotas vai compensar tempo de rendimento baixo”, diz o especialista.
Já os fundos com lages corporativas estão em uma etapa mais avançada da recuperação, com a volta gradual das empresas para o regime presencial de trabalho. É em razão desse cenário que os fundos de tijolos tendem a ter um movimento mais forte de retomada, por causa do crescimento das receitas, enquanto os fundos de papeis devem ficar no patamar em que estão.
Moraes recomenda, no entanto, que o investidor tenha moderação ao especular com esse movimento de retomada. “O investidor não deve tentar adivinhar o melhor setor e o melhor momento. O ideal é ter uma carteira diversificada. Isso implica em não achar que o melhor setor do ano passado vai ser o melhor deste ano”, diz ele.
Fonte: EXAME