Exame
Empresas regionais se mantêm afastadas das capitais e investem no programa Minha Casa, Minha Vida para multiplicar o faturamento
Já não é preciso muitas linhas para contar o que aconteceu com o mercado imobiliário brasileiro nos últimos anos. Do analista de banco no escritório ao corretor de imóveis nas ruas, a história é conhecida de cor e salteado: as grandes empresas correram para levantar dinheiro na bolsa de valores, saíram comprando terrenos e lançando empreendimentos numa velocidade inédita, partiram para cidades que não conheciam, venderam imóveis freneticamente, perderam o controle de tudo isso, tiveram prejuízos bilionários, perceberam que estava (quase) tudo errado e decidiram se reorganizar.
Enquanto esse enredo se desenhava, um grupo de empresas regionais escrevia uma história paralela. Praticamente desconhecidas nos grandes centros e dos investidores, essas construtoras seguiram, por convicção ou falta de oportunidade, distantes do mercado de capitais, e da pressão por resultado que a Bolsa impõe.
Muitas delas apostaram alto no programa federal Minha Casa, Minha Vida, lançado em 2009 para subsidiar a construção de casas populares, e passaram a figurar entre as maiores construtoras do setor em número de unidades.
Há casos de empresas como a curitibana Casa Alta que, com 87 canteiros de obra em atividade no ano passado, atingiu uma área total de 2,8 milhões de metros quadrados “em construção” no país, superior à de companhias como a Even e a Rossi e muito perto de Tecnisa e Brookfield, que trabalham com imóveis de médio e alto padrão.
Assim como a mineira Emccamp, a Casa Alta já divide espaço com gigantes no ranking de maiores construtoras do país: em cinco anos, o faturamento anual da empresa saltou de R$ 30 milhões para meio bilhão de reais. O número de funcionários foi multiplicado por 20, chegando a 4,7 mil.
“Boom”
“O mercado imobiliário passou por uma avalanche de mudanças nos últimos anos”, disse Guilhermo Guirao Vidal, presidente da Inteligência Empresarial da Construção (ITC), consultoria que abastece fornecedores do setor com informações e é responsável pelo ranking, publicado anualmente. “Ao mesmo tempo em que esse movimento criou gigantes nacionais, reforçou a atuação de empresas menores, com presença regional.”
A Emccamp, fundada em Belo Horizonte há 40 anos, chegou a cogitar uma abertura de capital, contratou bancos e escritórios de advocacia, mas desistiu.
“Não conseguiríamos entregar o que os investidores estavam cobrando das construtoras: volume e crescimento rápido”, diz André Campos, vice-presidente executivo e filho de um dos dois fundadores. “A filosofia do mercado financeiro não era a nossa.” Hoje, olhando para trás, ele se gaba da decisão tomada pela família.
A empresa conseguiu manter a operação sob controle, ao contrário do que aconteceu com as rivais de maior porte. Os 12 canteiros de obra com empreendimentos do Minha Casa estão a uma hora de distância de avião da sede e são visitados semanalmente pelo pai de André, Eduardo Pinheiro Campos.
Em 2012, quando cinco das maiores empresas de capital aberto do setor registraram, juntas, um prejuízo de quase R$ 3 bilhões, a Emccamp lucrou R$ 43,8 milhões. Em 2013, os ganhos somaram R$ 65 milhões, segundo balanço publicado pela empresa.
Desde sua origem, a construtora mineira trabalha com habitação popular e é este segmento que vai garantir a ela, neste ano, um faturamento de R$ 550 milhões.
“Nos organizamos para passar pelo ano eleitoral sem problemas, já que dependemos do Minha Casa, Minha Vida”, diz André. Segundo ele, a empresa garantiu a construção de unidades que somam um valor R$ 1 bilhão no próximo um ano e meio.
Desafios
Entre as grandes, as que mais se destacaram no segmento de habitação econômica foram as mineiras MRV e Direcional, com receita de R$ 3,8 bilhões e R$ 1,7 bilhão no ano passado. Outras empresas de capital aberto chegaram a se aventurar nesse terreno, de margens de lucro muito baixas, mas desistiram.
A Rodobens, por exemplo, que teve 100% do negócio concentrado no Minha Casa, em 2010, entregou o último empreendimento ligado ao programa em dezembro do ano passado, abandonando completamente a estratégia.
“Era inviável financeiramente”, diz o presidente Marcelo Borges. Ex-executivo do Santander, ele assumiu a Rodobens Negócios Imobiliários no fim de 2010 com a missão de salvar a companhia.
A saída encontrada foi abandonar o programa do governo. “Éramos monocliente, monoproduto, monobanco e monoterreno. O risco era altíssimo”, brinca, depois da mega reestruturação que levou a empresa novamente para o médio padrão – e para o azul.
Um dos grandes desafios encontrados pela Rodobens e por companhias que não estavam habituadas a lidar com a população de baixa renda era o financiamento. Ao longo da obra, as famílias perdiam capacidade de financiar o imóvel e eram recusadas pelo banco – o que resultava nos chamados distratos. Em média, Borges diz que uma mesma unidade chegava a ser vendida quatro vezes, para compradores diferentes.
A dificuldade das grandes incorporadoras abriu espaço para empresas menores, que dominavam o relacionamento com os bancos públicos, financiadores do programa, e que investiram em tecnologia para ganhar escala e fazer a conta fechar.
“Hoje, essas empresas não assentam mais tijolo”, diz José Carlos Rodrigues Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Elas importam formas de alumínio da China e preenchem o espaço com cimento – método que reduz de quatro para um mês a construção de um prédio de cinco andares e exige um terço da mão-de-obra.
Econômico
Segundo o CBIC, 85% das 2,4 mil construtoras que atuam no Minha Casa são pequenas e médias. Elas entraram na disputa pelas 3,4 milhões de unidades que foram contratadas entre 2009 e junho deste ano.
Embora os dados do mercado imobiliário sejam escassos, pesquisas isoladas dão uma ideia de que a crise, de certa forma, poupou os empreendimentos econômicos, fazendo com que as companhias que se dedicaram a esse segmento sofressem menos com a crise até aqui.
Um levantamento da imobiliária Lopes mostra que unidades com preço inferior a R$ 199 mil representam apenas 6% dos imóveis em estoque em São Paulo. Entre as unidades de R$ 400 mil a R$ 699 mil, 23% não foram vendidas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.