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Alarme soou em abril quando índice calculou que a taxa de aumento de preços tinha atingido nível mais alto desde que a bolha estourou em 2007
BBCBrasil.com
Os Estados Unidos estão enfrentando a perspectiva de um novo boom na especulação imobiliária. Em setembro, em comparação com o mesmo mês em 2012, o aumento anual dos preços de imóveis foi de 12,8%. Em alguns Estados, como a Califórnia ou Nevada, o aumento foi de 20%.
O índice Case-Shiller – que recentemente rendeu o Prêmio Nobel de Economia a Robert J. Shiller – soou o alarme em abril, quando calculou que a taxa de aumento de preços no setor de habitação tinha atingido o seu nível mais alto desde que a bolha estourou, em 2007-2008.
Shiller não é apenas o ganhador do prêmio Nobel. Ele foi um dos poucos que previu o colapso das hipotecas subprime, ou de alto risco, um ano antes da queda do Lehman Brothers e da recessão global de 2008.
No entanto, o sinal de alarme mais poderoso veio de um funcionário do banco central dos EUA, o presidente do Federal Reserve de Dallas, Richard Fisher: “Estou começando a ver sinais em todo o país de que estamos entrando, novamente, em uma bolha imobiliária”, disse ele.
Tragédia e farsa
A frase muito citada de Karl Marx sobre a história – ocorre como tragédia e se repete como farsa – vem a calhar. A crise imobiliária e financeira de 2008 teve seu epicentro em hipotecas de alto risco, concedidas a pessoas que muitas vezes nem sequer tinham trabalho. Agora, o segmento que mais alimenta a bolha são as chamadas hipotecas jumbo ou gigantes.
O regulamento destas modalidades estipula que os empréstimos hipotecários para uma família nos EUA não podem exceder o limite de US$ 417 mil ou, no caso das áreas mais caras, como Nova York ou Los Angeles, US$ 625 mil.
Se você quiser tomar um empréstimo acima desse valor entra no reino do “jumbo”, que normalmente requer maior taxa de juros (em geral, 0,25% a mais). Mas agora os bancos estão promovendo hipotecas jumbo de 30 anos que custam menos do que os empréstimos família padrão.
Peter Zalewski, da Condo Vultures, uma consultoria imobiliária na Flórida, diz que é uma especulação mais focada. “Na bolha anterior, professores, bombeiros, empresários, taxistas, todos estavam envolvidos no mercado. O que vemos agora são nichos: imóveis que valem cerca de um milhão de dólares, por exemplo, para os muito ricos americanos ou estrangeiros e os investidores institucionais”, disse ele à BBC.
Bolha geográfica
Assim, trata-se de uma bolha com clara distribuição espacial geográfica. Em cidades como Nova York, Los Angeles, San Francisco, Miami e Washington, a pressão sobre os preços é muito maior do que em outras áreas. Em Sacramento, por exemplo, o aumento bateu 34,1%, em Las Vegas, 33,3%, em Riverside, Califórnia, 31%.
Mas a consultoria imobiliária Zillow avalia que não se pode falar ainda de uma bolha nacional, porque as pessoas estão gastando, em média, 13% de sua renda em pagamentos de hipoteca, bem abaixo dos 20% de outros tempos.
Essa relação custo-receita é importante porque cria um “colchão”, projetado para absorver aumentos repentinos nas taxas de juros que podem desequilibrar o orçamento individual e comprometer pagamentos.
A Zillow observa, no entanto, que as médias de comprometimento da renda mudam radicalmente em áreas quentes do mercado. Em lugares como San Francisco ou San Jose, pagamentos de hipoteca excedem metade da renda. Ainda assim, a consultora estima que no próximo ano haverá uma moderação dos aumentos, que não devem ultrapassar 3,8%.
O ator-chave
Independentemente de se saber se a projeção é precisa, o impacto econômico e social dependerá de um ator-chave. Se tragédia ou farsa, a história das bolhas dos últimos 15 anos tem um grande responsável, o Federal Reserve (o FED, o banco central americano).
Na crise dos subprime, o crédito – e a regulação inexistente – alimentaram a explosão de preços. À crise atual, além das taxas de juros no chão, foi adicionado o chamado Quantitative Easing (afrouxamento quantitativo, em português), ou emissão de dinheiro.
Este ano foram cerca de US$ 80 bilhões de dólares emitidos por mês, com o FED comprando ativos financeiros de bancos para que estas entidades tenham mais recursos para emprestar a produtores e consumidores e ativem, por meio da lubrificação do crédito, a recuperação econômica.
De acordo com estimativas, o FED passou a deter 12% das hipotecas no país. O vice-presidente da financeira HSH.Com, Keith Gumbinger, diz que a intervenção é fundamental para sustentar o mercado de hipotecas. “Com as taxas de juros baixas e o afrouxamento quantitativo, o FED forneceu liquidez e o mercado hipotecário reviveu”, disse Gumbinger à BBC.
Mas o banco central americano também pode estar brincando com fogo. Em uma economia como a dos EUA, a distância entre um forte aumento dos preços e uma bolha é muito curta.
O vício de crédito
O FED é parte de um modelo econômico que tem sofrido com uma nova doença: o vício de crédito. Em 1978, o salário médio dos EUA era equivalente a cerca de US$ 48 mil (em valor presente). Hoje, é de US$ 33 mil. Se o consumo nos EUA continuou a ser um motor de crescimento nestas décadas foi em grande parte graças ao cartão de crédito fornecido a preços muito baixos.
A crise do subprime de 2007-2008 marcou um limite para essa patologia econômica. De acordo com o vice-diretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política de Washington, Dean Baker, o sistema não mudou.
“O crescimento dos últimos dez anos tem sido baseado em bolhas. É surpreendente que o Federal Reserve não tenha percebido isso. O sistema regulatório acabou de mudar”, disse Baker à BBC.
Nem todos concordam. Analistas como Keith Gumbinger dizem que o sistema regulatório é muito mais rigoroso, mas outros dizem que mesmo que fosse rigoroso, não evitaria que a bolha continuasse a crescer.
“O capitalismo tem essa capacidade criativa-destrutiva. Há muitas pessoas tentando contornar a regulação. É a nossa história a partir dos anos 1920… o boom seguido por implosão. Isso não vai mudar”, disse à BBC News, Peter Zalewski da Condo Vultures.