Brasil sofre mais do que a maioria dos países para contratar pessoal. Ceará também é afetado pelo problema
O Brasil está na terceira colocação no ranking dos países que mais têm dificuldade em encontrar profissionais qualificados para preencherem vagas disponíveis, superando a média mundial. A constatação é resultado de pesquisa divulgada quinta-feira (19) pela Manpower, empresa que atua na área de recursos humanos. Para o levantamento, foram entrevistados 40 mil empregadores em 39 países. O índice de empresários brasileiros que dizem não conseguir achar no mercado pessoas adequadas para o trabalho é de 57%.
Segundo a Manpower, o Brasil só perdeu para o Japão, com um índice de 80% de queixas dos empresários, e Índia, com 67%. “Mas o caso do Japão é por causa do envelhecimento da população. Já a Índia tem um problema parecido com o do Brasil, que é uma nação em crescimento sem profissionais qualificados. Mesmo assim, os indianos falam mais inglês do que os brasileiros”, comenta a executiva de recursos humanos da Manpower, Márcia Almström.
Países desenvolvidos
“Na comparação entre os países, os economicamente desenvolvidos têm menos dificuldades, pois já formaram esses profissionais e como não estão em crescimento, têm baixa demanda por novos talentos”, explica a executiva da Manpower.
Em comparação com a pesquisa feita em 2010, o Brasil passou do segundo para o terceiro lugar no ranking deste ano, quando foram entrevistados 876 empregadores no primeiro trimestre. No entanto, Márcia não acredita que houve uma melhora na formação de profissionais brasileiros. “O resultado disso é consequência da piora na Índia, pois não vejo grandes mudanças na educação profissional do brasileiro”, avalia.
Principais carências
A pesquisa também detalha para quais funções os empresários têm mais dificuldade em encontrar pessoas qualificadas. Tanto em 2010 quanto agora, os profissionais de nível técnico ficaram no topo dos dez cargos mais difíceis de serem preenchidos. “Por muito tempo o Brasil não privilegiou o ensino técnico e tecnólogo, mas sim o universitário, mas nem sempre de boa qualidade. Essa estagnação reflete neste momento que o País está em crescimento e precisa de gente qualificada para trabalhar”, diz Márcia.
Para o professor de economia da Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), Fábio Pereira de Andrade, houve uma desvalorização do ensino técnico por muitos anos no País.
“Na época de baixo crescimento da economia não havia demanda por esse profissional. Agora não há nem escolas para formar pessoas capacitadas para atender ao mercado de trabalho”, analisa o docente.
Engenharia
No segundo lugar entre os profissionais mais requisitados estão os engenheiros, que sofreram a mesma depressão de formação e contratação do que os técnicos. “E por ser um curso caro, poucas universidades têm cursos de engenharia e não conseguem formar a quantidade necessária para atender o mercado”, diz Andrade.
Para a executiva da Manpower, o problema de escassez de mão de obra não deve ser superado tão cedo.
“Até vejo movimentos de empresas, que já investem em universidades corporativas, e de escolas que querem ampliar suas vagas, mas também é preciso a participação do poder público para que em conjunto esse problema seja resolvido”, afirma. “Senão, vamos continuar importando profissionais de outros países”, completa.
Opinião do especialista
Escassez é “mito” que pune o trabalhador
Existe muito mito nessa alegação de falta de mão de obra qualificada no mercado de trabalho. É mais uma forma de tentar desqualificar o trabalhador e jogar os salários para baixo. Via de regra, o que temos visto historicamente é o setor produtivo colocar no trabalhador toda a responsabilidade pela falta de mão de obra qualificada. Durante muito tempo o Dieese teve a postura de reclamar pela melhoria da formação de base, enquanto as empresas diziam que quem tinha que regular essa questão era o próprio mercado. O País permaneceu tanto tempo com esse pensamento, de que a responsabilidade pela qualificação era decisão pessoal do trabalhador, que gerou toda essa demanda hoje. Outra coisa interessante é que as categorias das quais mais se reclama atualmente a falta de profissionais qualificados, como a engenharia civil, não conseguem ter seus direitos resguardados. A última vez que os engenheiros civis no Ceará tiveram uma convenção coletiva foi em 2004. Esses profissionais só têm garantido hoje o que reza a lei ou o que uma ou outra empresa queira dar de benefício. Estranhamente se reclama da falta desse profissional, mas há pouco interesse de se estabelecer em convenções coletivas vantagens que possa atrair os trabalhadores para ingressarem nessa profissão. Também causa estranheza que o Ceará tenha a pior remuneração média do Brasil, conforme mostra a Rais. Falar de falta de mão de obra qualificada é uma forma de continuar responsabilizando o trabalhador, de desqualificar o profissional e baixar os salários das categorias. É inadmissível essa desconexão entre desempenho e remuneração dos trabalhadores cearenses.
Reginaldo Aguiar
Supervisor técnico do Dieese
Fonte: Diário do Nordeste / CE