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Promessa de melhores salários e de libertação social gera invasão feminina nos canteiros de obras. Empreiteiros e contratadores saem ganhando com qualidades das mulheres, como organização, determinação e persistência.
“Tem muita mulher que dá de dez a zero nos homens”, declara Clarindo Soares, da Cooperativa Esperança, no Rio de Janeiro. Seus 70 afiliados realizam o sonho da casa própria, pondo mãos à obra na construção. Segundo o mestre de obras de 29 anos, o jeito feminino de lidar com a argamassa e com a espátula é bem mais cuidadoso e preciso, “principalmente no revestimento de paredes externas”.
No Brasil, a presença das mulheres na construção civil ainda é rara. Porém, nos últimos dez anos, a participação feminina no setor aumentou 8%. Segundo o Ministério do Trabalho, o número das operárias pulou de 83 mil, no ano 2000, para 138 mil, em 2008. Atualmente, mais de 200 mil mulheres rebocam paredes, carregam tijolos e misturam cimento nos canteiros de obras do país.
Chance de libertação
No ano passado, a Câmara Brasileira da Indústria de Construção (CBIC) mostrou que o ambiente das construções não é apenas rude, podendo ser também romântico: no Dia Internacional da Mulher, a organização mandou distribuir rosas entre as trabalhadoras, honrando assim a presença feminina nos canteiros de obras.
“Quem contrata mulheres, só leva vantagens”, elogiou José Carlos Martins, vice-diretor da CBIC, ao jornal O Globo: “A atmosfera de trabalho fica melhor, as obras ficam mais organizadas, e, na finalização dos detalhes, as operárias são muito melhores que os homens”.
Para muitas brasileiras, trabalhar na construção civil é um ato de libertação. Enquanto empregos tradicionalmente femininos como cabeleireira, babá ou garçonete pagam, via de regra, de 700 a 1.400 reais por mês, a atividade de pedreira, carpinteira ou encanadora rende até 3.800 reais mensais. E quem chega a mestre de obras pode levar para casa até 5.400 reais por mês.
Mão na massa
Contudo, não se trata apenas de salários mais altos e melhores condições de trabalho. Muitas mulheres querem simplesmente maior independência do marido, do ex-marido ou de operários pouco confiáveis.
Rosângela Martins é uma dessas mulheres. Os últimos sete fins de semana a mãe solteira passou no canteiro de obras da Cooperativa Esperança, que é financiada pela organização humanitária alemã Misereor, entre outras. “Trabalhar em obras não escraviza ninguém”, postula a manicure de longos cabelos encaracolados. “Vou continuar vindo até a minha casa ficar pronta.”
Pioneiro na invasão deste reduto masculino pelas mulheres foi o projeto social carioca Mão na Massa. Visando abrir novas perspectivas profissionais para as mulheres, a organização passou a oferecer, em 2007, cursos de qualificação profissional para as moradoras de regiões menos favorecidas. O projeto pioneiro transformou o setor da construção civil. Atualmente, cursos para futuras operárias não são oferecidos apenas pela Mão na Massa, mas também por associações do ramo.
Vencendo o ambiente machista
Após a qualificação como carpinteira, pedreira ou encanadora, as chances no mercado de trabalho são boas. A expectativa da Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016 faz proliferar no Brasil as grandes obras e, consequentemente, a demanda por pessoal qualificado. Segundo a CBIC, o setor cresceu 5% em 2012, e 30 mil postos de trabalho estão à espera de ser ocupados.
Além disso, registra-se um boom no setor de habitações de baixo custo. Até 2014, o governo brasileiro pretende mandar erguer mais de 3 milhões de moradias para pessoas de baixa renda. O déficit de residências baratas é enorme: atualmente, faltam cerca de 5,5 milhões de unidades em todo o país. Assim, paralelamente aos lucrativos contratos para as grandes empreiteiras, a construção de casas para a população de baixa renda também é impulsionada pelas cooperativas.
E assim prossegue a revolução silenciosa nos canteiros de obras do Brasil. A mera força física deixou de ser o critério decisivo e a longa luta de todas as brasileiras por mais igualdade entre os gêneros reflete-se agora entre as paredes sem reboco de uma obra.
“As barreiras cotidianas deste setor machista podem ser vencidas”, promete João Fernandes, presidente da construtora Cofix às pioneiras da Mão na Massa. Pois, segundo ele, as mulheres se destacam de seus colegas do sexo masculino em três pontos: “organização, determinação e obstinação”.