O primeiro projeto brasileiro de financiamento coletivo voltado para o ramo imobiliário foi concluído nesta semana. A incorporadora Vitacon, de São Paulo, captou R$ 1,279 milhão ao longo de 90 dias por meio de uma “vaquinha virtual” ou crowdfunding, no jargão em inglês. O dinheiro vai ser usado para bancar um empreendimento que será construído na Vila Olímpia, um bairro nobre da capital paulista. Se nenhuma unidade for vendida em 60 meses, a construtora devolve o valor investido com a correção da poupança no período.
O valor captado é modesto perto do que a empresa precisa para colocar um prédio de pé (representa apenas 5% do custo total da obra), mas é uma iniciativa nova, em um setor que tem enfrentando uma forte restrição a crédito nos últimos dois anos. Um dos atrativos é a possibilidade de acessar um novo perfil de investidor, já que as aplicações são feitas pela internet, sem a intermediação de bancos ou corretoras, e com tíquete mínimo baixo.
O caso da Vitacon funciona assim: no período definido pela empresa, qualquer pessoa pode se cadastrar pela internet e aplicar a partir de R$ 1 mil. Quem investe não está adquirindo uma parcela do empreendimento, mas sim um título. A estimativa é de que o investidor receba um rendimento entre 13,1% e 17,2% ao ano mais a variação do Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), em pagamentos trimestrais.
Aposta. “A rentabilidade está diretamente ligada à performance do empreendimento. Vai depender do preço e da velocidade de venda das unidades”, diz o CEO da Vitacon, Alexandre Lafer. O executivo reconhece que a motivação para o crowdfunding, neste momento, é experimental e educacional, além de ser uma modalidade de financiamento mais cara para a incorporadora quando comparada a outras opções disponíveis no mercado. Por enquanto, Lafer reforça, é uma aposta no futuro. “Acreditamos que pode ser uma alternativa para o mercado, quando estiver regulamentado e consolidado.”
É aí que reside uma das limitações desse tipo de financiamento coletivo no País. O crowdfunding não é regulamentado pela Comissão de Valores Mobiliários. Para dar sinal verde a uma captação, a autarquia se baseia na instrução 400, de 2003, que determina que podem ser dispensadas de registro ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários até um limite de R$ 2,4 milhões, desde que as empresas atendam a determinadas condições. A CVM não avalia a qualidade das ofertas e, portanto, não se responsabiliza por eventuais problemas que os participantes possam ter. “O investidor precisa conhecer bem esse produto antes de aplicar o seu dinheiro”, diz Luiz Antonio França, sócio presidente da França Participações e ex-diretor de crédito imobiliário do Itaú. “Ele deve estar ciente do que vai acontecer com seu investimento em caso de insolvência da empresa, por exemplo.”
A expectativa do mercado é que a CVM regulamente as operações de crowdfunding ainda neste ano, estabelecendo critérios capazes de garantir mais segurança ao investidor, além de uma ampliação do limite de captação. O Secovi-SP está estudando se há necessidade de propor alguma revisão na legislação imobiliária para “acomodar” o mecanismo de financiamento coletivo. “É preciso saber como ‘tropicalizar’ este modelo para o País”, diz Claudio Bernardes, presidente do sindicato.
Para o vice-presidente executivo da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Renato Ventura, a diminuição dos recursos disponíveis em poupança, principal fonte de financiamento do setor, aumentou a necessidade de se buscar alternativas. “Esse é um caminho interessante, embora as limitações ainda sejam relevantes, principalmente pelo baixo volume captado.”
Precursores. Nos Estados Unidos, esse mercado existe desde 2012 e a estimativa é de que deve movimentar US$ 3,5 bilhões neste ano (leia mais ao lado). No Brasil, o crowdfunding imobiliário chegou por meio do Urbe.me, criado por empresários do Rio Grande do Sul. Foi por meio dessa plataforma que a Vitacon fez sua estreia no financiamento coletivo, com uma captação que durou 90 dias e foi concluída no dia 17 de janeiro.
A empresa gaúcha negocia as condições do fundo com a incorporadora interessada em receber o aporte e faz a ponte com os investidores. O site já tem contratos assinados para lançar mais três captações em 2016.
A operação com a Vitacon atraiu, segundo o Urbe.me, 144 investidores. Os Estados com maior número de participantes foram São Paulo e Rio Grande do Sul – 61 cada. Também houve participantes do Distrito Federal, Santa Catarina, Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso e Pará. O investidor mais jovem tem 18 anos e o mais velho, 85.
De acordo com Paulo Deitos, um dos sócios do Urbe.me, a primeira captação serviu como termômetro para os próximos projetos. “Muitas pessoas não perceberam que havia um prazo de 90 dias para encerrar o processo. Tanto que, quando ampliamos a divulgação, a participação aumentou muito”, diz.
O Urbe.me ganha dinheiro recebendo um porcentual sobre o valor captado – que é pago pela incorporadora, e não pelo investidor. Deitos avisa que, em 2016, o Urbe.me pretende colocar no ar pelo menos mais seis projetos de crowdfunding imobiliário. Três deles já estão garantidos. Depois da Vitacon, a plataforma assinou contrato com uma empresa do Rio Grande do Sul e duas de São Paulo. Cada uma lançará uma captação este ano. No momento, eles também negociam com uma quarta incorporadora.
O empresário Paulo Deitos gosta de usar o exemplo norte-americano para defender o potencial desse mercado no País. “Esse é um instrumento que tem condições de amadurecer e evoluir no Brasil.”
Fonte: Estadao.com.br