A cada dia, a bandeira da sustentabilidade é hasteada com mais vigor no mercado imobiliário. Mas, segundo especialistas, as medidas tomadas por incorporadoras no desenvolvimento dos projetos nem sempre são detalhadas ao consumidor da forma como deveriam.
“O mercado exagera um pouco no marketing”, diz o consultor em sustentabilidade na construção civil Luiz Henrique Ferreira, da Inovatech Engenharia. Ele se refere à publicidade realizada por companhias na divulgação de certificações “verdes” disponíveis para edificações. “Há empreendedores que prestam a Fuvest e dizem que estão na USP. Há um longo caminho entre pedir a certificação e realmente ser certificado”, explica.
Quando o consumidor compra uma unidade em um empreendimento que busca respeitar algum sistema de avaliação, apenas deposita confiança no compromisso do empreendedor de respeitar boas práticas de eficiência e conforto, na medida em que a conquista dos selos de sustentabilidade somente é obtida após a conclusão da obra.
“Mesmo que anunciássemos a certificação do projeto, não há como garantir que o empreendedor vai cumpri-lo”, diz o diretor do Green Building Council Brasil, Felipe Faria. A entidade promove e discute em território nacional a certificação norte-americana Leed, até o momento a mais difundida no País, com 653 registros, 80 deles atestados.
Tal processo permite diversos tipos de avaliação dos produtos imobiliários, desde os móveis de uma sala comercial até o relacionamento do empreendimento com a vizinhança. No entanto, o selo só é concedido depois de cumpridos todas as etapas até o funcionamento pleno do imóvel. As fases anteriores a essa apenas integram o processo, em regra acompanhado por consultores.
Esses profissionais indicam soluções para os empreendedores na implementação de medidas para reduzir o consumo de recursos e, ao mesmo tempo, promover o conforto térmico, acústico e visual do usuário. “Pode ser que um projeto requeira, por vários motivos, um desempenho acústico melhor e não seja tão crítico na questão térmica. Pode ser o contrário. Essas combinações é o que o empreendedor escolhe”, diz o professor Manuel Martins, coordenador do Processo Aqua, um dos mais importantes no Brasil, com 65 complexos em fase de certificação.
Baseado no tradicional sistema francês HQE, de 1974, o Aqua foi adaptado para aplicação em edificações brasileiras em 2008 pela Fundação Vanzolini. Ele diferencia-se do Leed não apenas pela tropicalidade, mas também pelo método de avaliação: o sistema norte-americano é certificado em única etapa, remotamente, e por meio de auditorias em laudos de performance apresentados pelos incorporadores, enquanto o método brasileiro faz análises presenciais e em etapas.
O processo Aqua tem, ao todo, quatro certificações, todas interdependentes. A primeira delas é na fase de programa, com especificações sobre o empreendimento, as soluções propostas e as estratégias de viabilidade. A certificação na fase de concepção é obtida após a conclusão de todos os projetos da obra, com detalhamentos das economias e dos sistemas de gerenciamento da construção – os empreendimentos estão nesta etapa de cumprimento das exigências do Aqua quando começam a ser vendidos.
O terceiro selo, na fase de realização, só é concedido se o edifício, já pronto, seguir todas as recomendações do projeto. Por fim e apenas para as edificações de serviços, é possível a conquista do selo de operação e uso.
No mundo, há outros sistemas, ainda pouco difundidos no Brasil, como o método inglês BRE e o alemão DGNB – ambos com auditorias não presenciais. Por aqui, a Caixa Econômica Federal também desenvolveu um selo para empreendimentos que buscam financiamento na instituição: o Casa Azul, com seis projetos reconhecidos.
O selo é concedido durante o desenvolvimento da obra e dá ao empresário taxas diferenciadas de juros. Para mantê-lo, a empresa deve seguir as medidas sustentáveis na construção, e o descumprimento pode gerar multa de até 5% sobre o investimento.
O diferencial do Casa Azul está na inclusão de práticas sociais entre seus critérios, como orientação aos empregados e moradores. Em São Paulo, o selo foi obtido por dois complexos, um deles integrante do programa municipal de urbanização de favelas, no Paraisópolis, onde vive a dona de casa Iracema Maria de Almeida, de 38 anos, em um apartamento com redutores de água nas torneiras e sistema de chuveiros a gás. “É bem claro e ventilado lá”, diz a moradora, que paga cerca de R$ 160 com as contas de água, luz e condomínio. As adaptações no projeto geraram acréscimo de 1% nos custos do conjunto.